Quando o Conselho de Ministros do meu querido país – o Reino Hachemita da Jordânia – decidiu, em 10 de agosto de 2016, promover-me a Embaixador, eu jamais poderia imaginar que meu posto subsequente me levaria ao Brasil, não como Embaixador do meu próprio país, mas como representante da Liga dos Estados Árabes, cujo Conselho é composto por vinte e dois Estados árabes.
Assumi minhas funções em Brasília em 15 de novembro de 2018, em um momento particularmente sensível, sem paralelo desde o estabelecimento da Missão da Liga no Rio de Janeiro, em 1958. Esse período de transição exigiu o compromisso de revitalizar não só o relacionamento com as instituições brasileiras, mas também com a comunidade diplomática, com a mídia e com a diáspora árabe dispersa por todo o país. Apesar dos enormes desafios, este novo capítulo foi inaugurado com notável sucesso, lançando bases sólidas para uma colaboração mais profunda.
Durante anos, a Missão da Liga dos Estados Árabes no Brasil sediou sessões regulares e extraordinárias do Conselho de Embaixadores Árabes credenciados no Brasil e participou ativamente de ampla gama de conferências e fóruns, entre outros, o Fórum Econômico Árabe-Brasileiro, organizado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira, nossa parceira estratégica no avanço das relações árabe-brasileiras em todas as áreas, bem como a União das Instituições Islâmicas “Fambras”.
O engajamento direto com a sociedade brasileira provou ser um dos meios de comunicação mais eficazes. Isso tem sido possível por meio de artigos escritos pelo Chefe da Missão, publicados em veículos de comunicação influentes e por meio de um diálogo consistente com instituições da sociedade civil. Minha esposa, Dra. Shatha Jarrar, professora assistente de língua árabe, juntou-se a mim na tarefa de engajamento com a academia brasileira, voluntariando-se como professora de árabe na Universidade de Brasília (UnB) por três semestres consecutivos.
Com tais iniciativas, a Missão trabalhou para transmitir o compromisso genuíno dos Estados Árabes em fortalecer os laços de amizade e cooperação com o Brasil. Essas relações têm florescido consistentemente, abrangendo um espectro multifacetado da agenda econômica, cultural, acadêmica e social. A Missão cultivou estrategicamente uma forte presença na mídia, dialogando com importantes instituições de mídia e plataformas digitais brasileiras, estabelecendo assim um canal dinâmico e sustentável para o debate sobre questões de interesse comum, com ênfase particular nos acontecimentos no Oriente Médio, e em especial a causa palestina, que continua sendo a principal preocupação do mundo árabe.
Ao longo dos dois últimos anos da guerra em Gaza, que chegou ao fim recentemente, a Missão iniciou um boletim eletrônico diário, divulgado junto a instituições governamentais brasileiras, representações diplomáticas, veículos de comunicação e organizações da sociedade civil. Este boletim apresentava predominantemente relatórios oficiais de agências das Nações Unidas e organizações humanitárias, destacando o severo impacto humano tragédia em Gaza e nos territórios palestinos ocupados — uma perspectiva frequentemente obscurecida no discurso internacional.
Além disso, a Missão convocou uma série de simpósios abertos e cafés da manhã de trabalho exclusivos, reunindo membros do Conselho de Embaixadores Árabes com eminentes representantes da mídia brasileira. Esses encontros proporcionaram plataforma valiosa para um diálogo abrangente e contínuo, catalisando oportunidades para fortalecer ainda mais os laços entre o mundo árabe e o Brasil.
Em abril deste ano, a Missão organizou uma recepção em comemoração ao 80º aniversário da criação da Liga dos Estados Árabes, considerada a organização regional e internacional mais antiga do mundo. A celebração incluiu uma exposição fotográfica, registrando a missão oficial pioneira da Liga na América Latina em 1950, quando teve início sua jornada no Brasil, em julho daquele ano.
A política externa do Brasil, reconhecida por seu compromisso inabalável com o direito internacional, com a observância estrita aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e balizada pelo legado exemplar de suas relações com países vizinhos e com a comunidade internacional, tem contribuído significativamente para os esforços da diplomacia árabe em promover uma cooperação sólida entre o Brasil e o mundo árabe. Essa conquista é reforçada pelo compromisso compartilhado, tanto do Brasil quanto da LEA, com o diálogo baseado em princípios, com o multilateralismo e com a resolução pacífica de conflitos.
Olhando para o futuro, as perspectivas para as relações árabe-brasileiras são altamente promissoras. Esse entendimento é ilustrado pela tendência de dar continuidade a visitas bilaterais de alto nível. Ressalte-se, por exemplo, a visita histórica de Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a algumas nações árabes no início de 2024 – que culminou com seu discurso histórico ao Conselho da LEA, em sua sede, no Cairo, em 15 de fevereiro – e que representou marco fundamental no relacionamento do Brasil com a Liga. Igualmente significativa foi a participação da LEA, pela primeira vez, na Cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro em novembro de 2023, liderada por Sua Excelência o Sr. Ahmed Aboul Gheit. A participação do Secretário-Geral da Liga contribuiu para o avanço de abordagens inovadoras para o aprofundamento da cooperação, particularmente na esfera econômica.
O principal desafio agora é conceber uma concepção estratégia que transcenda a distância geográfica, elevando as trocas comerciais convencionais a parcerias abrangentes e multifacetadas. Essa visão – articulada pela primeira vez pelo Dr. Khaled Hanafy, Secretário-Geral da União das Câmaras de Comércio Árabes, durante sua visita ao Brasil em 2020 – defende a criação de zonas industriais em portos selecionados do Mediterrâneo. Essas zonas são concebidas como polos logísticos e de investimento essenciais, conectando perfeitamente a região árabe com a América Latina por meio de investimentos conjuntos e empreendimentos transfronteiriços, fomentando assim uma aliança econômica robusta e dinâmica.
A dimensão cultural da parceria árabe-brasileira, profundamente enraizada em um legado de afinidade e intercâmbio mútuos, constitui pilar igualmente indispensável desta aliança. Essa relação remonta à visita do Imperador Dom Pedro II ao Egito, à Síria e à Palestina, no século XIX, acompanhado por acadêmicos e técnicos cujas contribuições enriqueceram profundamente o ambiente intelectual e cultural do Brasil. Na esteira desse momento histórico, sucessivas gerações de imigrantes árabes se dirigiram ao Brasil, enriquecendo seu tecido social e moldando de forma indelével sua identidade multicultural. Essa herança compartilhada demanda, assim, uma colaboração cultural e midiática aprofundada, impulsionada por iniciativas sinérgicas dos setores público e privado no mundo árabe e no Brasil. Tais esforços têm por meta fortalecer os valores e as conexões humanas que unem nossos povos, promovendo um vínculo mais rico e duradouro.
Durante minha permanência no Brasil, também desenvolvi um profundo interesse em explorar a literatura do país. Fiquei particularmente impressionado com o espírito cosmopolita de escritores eminentes como Jorge Amado, cujas obras retratam a vocação universal da cultura brasileira, influenciada pela tradição literária europeia, mas com uma identidade marcadamente brasileira. refletem a abertura do Brasil às culturas do mundo, principalmente a europeia, e especialmente a francesa, preservando ao mesmo tempo uma autêntica identidade brasileira. Essa identidade – forjada pela confluência de culturas indígenas, africanas e pelas contribuições de imigrantes dos continentes europeu, asiático e do Levante – encapsula a essência do singular mosaico cultural brasileiro.
Após sete anos chefiando o Escritório da LEA no Brasil – anos que guardarei para sempre em minha memória e meu coração – estou prestes a encerrar meu mandato no Brasil. Ao longo deste período, minha família e eu fomos profundamente tocados pelo calor, generosidade, amizade e simpatia do povo brasileiro.
Enquanto nos preparamos para nos despedir deste país tão especial, organizamos também as memórias destes anos, uma rica coleção de vivências e experiências que passamos não só em sua tranquila e elegante capital, Brasília, onde fica a sede da LEA, mas também em vários de seus 26 estados, que abrigam um número crescente de cidades modernas e vibrantes. Levaremos para sempre em nossa bagagem, a imagem do sorriso, a simpatia e o carinho com que fomos tratados pelo povo brasileiro.
Até breve, Brasil…