Luan Scliar
Melissa Cambuhy
A política de tarifas de Donald Trump, anunciada na última sexta (4), trata menos de uma estratégia econômica e mais um sinal de pânico diante da ascensão irreversível do Sul Global. Ao impor tarifas de maneira indiscriminada sobre 185 países, os EUA enterram sete décadas de multilateralismo[ e revelam seu desespero para manter uma hegemonia em colapso. O “tarifaço” não apenas repete os erros da Lei Smoot-Hawley (1930), que aprofundou a Grande Depressão, mas também expõe uma agenda sombria: priorizar a indústria bélica em detrimento da paz e dos objetivos de desenvolvimento sustentável.
A Receita do Hudson Institute: Protecionismo para a Guerra
O relatório Reindustrialization: A Strategy for American Sovereignty and Security (Hudson Institute, 2024[2]) é o manual não declarado de Trump. Nele, a autora Nadia Schadlow defende o fechamento seletivo do mercado americano para “proteger setores críticos” — chips, baterias e minerais de terras raras —, todos essenciais para armas de alta tecnologia. A justificativa é a “segurança nacional”, mas o objetivo é claro: reconduzir os EUA ao status militar de outrora, ignorando que cerca de 90% desses insumos são fornecidos pela China. A obsessão com a “reindustrialização bélica” ignora custos sociais e advoga pelo fim de “regras ambientais desnecessárias”. Enquanto o Hudson Institute pede desregulamentação para acelerar minas e fábricas, a Tesla alerta que as tarifas elevam custos de produção, e o Fed prevê recessão. Não se trata de criar empregos, mas de alimentar o complexo industrial-militar, mesmo que isso imploda a economia doméstica.
No mesmo dia do anúncio das tarifas, a China restringiu a exportação de terras raras como samário, gadolínio e térbio — minerais vitais para mísseis, drones e sistemas de defesa. O comunicado do Ministério do Comércio chinês (MOFCOM) é uma resposta direta: sem esses insumos, a indústria bélica americana paralisará em meses. A medida expõe a fragilidade da estratégia de Trump: ao fechar seu mercado, os EUA dependem ainda mais de rivais para sustentar sua máquina de guerra.
Enquanto os EUA se isolam, o Sul Global avança. Os BRICS negociam acordos em moedas locais, reduzindo a dependência do dólar, enquanto a União Africana pressiona por uma zona de livre-comércio continental. Essas iniciativas não são isoladas: são sintomas de um sistema internacional em transição, onde a multipolaridade se consolida à medida que os EUA se enclausuram em políticas ultrapassadas.
As tarifas de Trump aceleram essa fragmentação. Países buscam alternativas, enquanto aliados históricos – como a União Europeia – cogitam boicotes a produtos americanos. O resultado é um cenário onde o comércio global se divide em blocos antagônicos, e os EUA, em vez de líderes, tornam-se espectadores de sua própria decadência. A China, por sua vez, capitaliza o vácuo apresentando um outro horizonte possível: além de controlar terras raras, expande projetos priorizando os grandes investimentos produtivos, como aqueles no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota – a Nova Rota da Seda –, atraindo parceiros abandonados pelos EUA e seu protecionismo jurássico.
A proteção de setores bélicos, como propõe o Hudson Institute, é um projeto suicida. Ao priorizar mísseis em vez de painéis solares, os EUA trocam o futuro por um passado belicoso. As tarifas não “libertam” a América — escravizam-na a uma indústria da morte, dependente de minerais controlados por rivais. Enquanto isso, o Sul Global constrói novas rotas, desafiando a ordem unipolar. Trump não está “tornando a América grande novamente”; está cavando a própria cova.