Entrevista da Semana | Embaixadora da ONU no Brasil – Por Humberto Azevedo

“Depende de nós” evitar que em 50 anos a Amazônia se torne inabitável, diz Silvia Rulcks
A representante das Nações Unidas afirmou, em entrevista exclusiva ao portal RDMNews, que levantamento realizado pela Agência Espacial dos Estados Unidos da América (NASA) deve servir de modelo para garantir o desenvolvimento econômico da região amazônica com base em um “trabalho conjunto” que envolva os governos locais, o governo federal, a sociedade e os organismo internacionais para preservar a maior floresta tropical do mundo.

Por Humberto Azevedo

“A GENTE VEM ACOMPANHANDO O TRABALHO DOS NOVE ESTADOS, MAS, PARTICULARMENTE, DO CONSÓRCIO INTERESTADUAL DESDE 2021. ENTÃO, DÁ PARA VER ESSA EVOLUÇÃO NO TRABALHO”

 

A embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Silvia Rulcks, afirmou com exclusividade para o portal RDMNews, que “depende de nós” evitar que em 50 anos a Amazônia se torne inabitável – conforme consta de um relatório apresentado pela Agência Espacial dos Estados Unidos da América (NASA), devido aos efeitos e consequências do aquecimento global.

 

“PENSAMOS NA CRIAÇÃO DE UM FUNDO COMO MECANISMO PROGRAMÁTICO-FINANCEIRO PARA RECEBER PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E FINANCIAMENTO PARA APOIAR OS ESFORÇOS [DE PRESERVAÇÃO] DA AMAZÔNIA LEGAL”

 

A declaração de Rulcks aconteceu após ser questionada sobre levantamento realizado pela NASA e divulgado há três semanas. Silvia é a coordenadora residente no Brasil e preside o escritório de representação da ONU no país desde abril de 2021. Entre suas principais funções, a missão dela é definir estratégias, coordenar o trabalho da equipe das Nações Unidas e compartilhar informações entre todos seus participantes. Além de ser responsável pela elaboração de iniciativas conjuntas entre os diversos escritórios da ONU, avaliar o trabalho realizado no país e coordenar a ação dos diversos grupos inter-agenciais.

 

“HOJE TEMOS 29 MILHÕES DE PESSOAS QUE APRESENTAM INDICADORES ECONÔMICOS E SOCIAIS, TERRÍVEIS. ENTÃO, TEM UM BIOMA MUITO RICO E TEM PESSOAS QUE NÃO MOSTRAM OS MESMOS INDICADORES DE RIQUEZA”

 

“Seu principal objetivo é maximizar, de maneira coordenada, o trabalho da ONU, para que o Sistema possa proporcionar uma resposta coletiva, coerente e integrada às prioridades e necessidades nacionais, no marco dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e dos demais compromissos internacionais”, informa a página da ONU no Brasil das atividades exercidas pela uruguaia Silvia Rucks.

 

“É INJUSTIÇA AMBIENTAL. ENTÃO, AS LINHAS ESTRATÉGICAS DO FUNDO BRASIL-ONU TEM FOCO EM MELHORAR AS CONDIÇÕES DE VIDA DAS PESSOAS. NO ÂMBITO ECONÔMICO E SOCIAL”

 

Entre Agosto de 2016 e abril de 2021, Rulcks exerceu esta mesma função no Chile onde também serviu como representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Anteriormente, foi representante do PNUD no México, coordenadora residente da ONU na Nicarágua, diretora do PNUD na Colômbia e vice-representante no Peru e na Argentina.

 

“O FOCO É COMO MELHORAR AS CONDIÇÕES DE VIDA DAS PESSOAS. TEM QUE PROTEGER, MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS QUE CUIDAM DA AMAZÔNIA E DOS SEUS RECURSOS”

 

Silvia Rucks acumula mais de 30 anos de experiência em várias agências da ONU. Ela serviu também em países como Cuba, El Salvador, Guatemala, Uruguai e na sede da entidade em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA). Sua atuação é focada na governança democrática, meio ambiente, inclusão e igualdade, direitos humanos, gerenciamento de risco e resposta a desastres, prevenção e resolução de conflitos e igualdade de gênero.

 

“EU ACHO QUE A NASA ESTÁ COLOCANDO QUE SE VOCÊS FICAREM ASSIM, OU SEJA, COM A MESMA TENDÊNCIA E O MESMO TIPO DE AÇÕES, ESSE PODERIA SER O RESULTADO”

 

É graduada em engenharia da Ciência da Computação e Tecnologia da Informação pela Universidad del Valle, da Guatemala, tem mestrado em Administração e Gerenciamento de Negócios pela Universidad Centroamericana José Simeón Cañas, de El Salvador, e pós-graduação em Gerenciamento pela University of New York. É fluente em inglês, italiano, português e espanhol.

 

“EU REALMENTE ACHO QUE TEMOS ALGUNS RESULTADOS QUE FINALMENTE NOS DÃO ESPERANÇA. VIMOS A DIFERENÇA DO QUE UM CONSÓRCIO INTERESTADUAL, QUE AGORA COMPLETOU CINCO ANOS”

Silvia Rulcks: Bem, como sistema das Nações Unidas no Brasil, a gente vem acompanhando o trabalho dos nove estados, mas, particularmente, do consórcio interestadual desde 2021. Então, dá para ver essa evolução no trabalho. Por exemplo, a gente começou oferecendo cooperação, assessoria técnica para elaboração do plano de recuperação. Foi assim que começamos mais este trabalho em conjunto com o sistema ONU, especialmente via as agências, fundos e programas que têm dados especializados. Nós temos, por exemplo, a FAO [programa da ONU para agricultura e alimentação], e o programa ambiental das Nações Unidas, mas também 17 agências que colaboram. Aí nasceu a ideia, vamos trabalhar ainda mais juntos, não? E pensamos na criação de um fundo como mecanismo programático-financeiro para receber proposta de desenvolvimento sustentável e financiamento para apoiar os esforços [de preservação] da Amazônia Legal.

 

“EU ACREDITO QUE QUANDO OS PAÍSES TRABALHAM JUNTOS, AS COISAS MELHORARAM. OS ESTADOS TRABALHANDO JUNTO MELHORAM E VÃO MELHORAR”

 

Ainda sobre a questão do financiamento, além do fundo Amazônia, o próprio consórcio formado pelos estados brasileiros que integram a Amazônia Legal vai instituir um fundo próprio para promover o desenvolvimento da região. Mas é fato que o dinheiro para garantir o desenvolvimento e as ações de preservação não estão chegando. O próprio presidente Lula falou da necessidade dos países mais ricos ajudarem os amazônidas em ações sustentáveis que preservem a floresta. Como resolver esta questão?

Sílvia Rulcks falando durante o 28º fórum dos governadores da Amazônia Legal. (Foto: Humberto Azevedo / RDMNews)

Silvia Rulcks: Bem, a gente sabe. O Brasil tinha o fundo Amazônia. Mesmo assim, como sistema ONU e trabalhando conjuntamente no plano federal, onde são três Ministérios: os ministérios das Relações Exteriores, do Planejamento e Orçamento e do Desenvolvimento Social, além do consórcio da Amazônia Legal, pensávamos que a região precisava de um fundo para complementar esses esforços. Não, porque a gente sabe que o fundo Amazônia tem um foco na parte de desmatamento. É uma questão bem ambiental e bem concreta. Mas como falamos, hoje temos 29 milhões de pessoas que apresentam indicadores econômicos e sociais, terríveis. Então, tem um bioma muito rico e tem pessoas que não mostram os mesmos indicadores de riqueza. Então, isso é injustiça ambiental. Então, as linhas estratégicas do fundo Brasil-ONU tem foco em melhorar as condições de vida das pessoas. No âmbito econômico e social. As propostas que já recebemos são propostas para melhorarmos saúde, para melhorar a educação, para melhorar temas de combate ao crime ambiental e crime organizado. Então, tem um número importante de propostas de diferentes tipos. Mas o foco é como melhorar as condições de vida das pessoas. Tem que proteger, melhorar a vida das pessoas que cuidam da Amazônia e dos seus recursos.

 

Agora, como a Srª viu esse levantamento da Agência Espacial dos Estados Unidos da América (NASA) apresentado há três semanas, de que se nada for feito mantendo a atual programação de produção, daqui a 50 anos a região amazônica e parte do território brasileiro, incluindo os estados que possuem o cerrado, estarão totalmente inabitados?

Sílvia Rulcks foi homenageada pelo consórcio formado pelos estados da Amazônia Legal durante a realização do 28º fórum dos governadores amazônicos realizado em Porto Velho. (Foto: (Foto: Humberto Azevedo / RDMNews)

Silvia Rulcks: Olha, isso foi um assunto que apareceu muito nas reuniões bilaterais com os governadores. Porque, eu cheguei e tive várias reuniões e conversas, e todo mundo me apresentou o mesmo [levantamento] e que é, obviamente, um assunto que está preocupando. A minha resposta é: depende de nós. Depende do trabalho da gente. Eu, que trabalho nas Nações Unidas, eu falo que a esperança é o primeiro requisito. Eu tenho esperança. Mas eu acredito, que não será com apenas esperança, tem que ser com trabalho, com vontade política, então, e, realmente como falou secretário-geral das Nações Unidas – Antonio Guterres, eu acredito, que temos conhecimento, temos tecnologia, mas precisamos de vontade política não apenas para reverter algumas ações, mas também para unir esforços e realmente implementar um modelo de desenvolvimento sustentável. Eu acho que a Nasa está colocando que se vocês ficarem assim, ou seja, com a mesma tendência e o mesmo tipo de ações, esse poderia ser o resultado. Esse é um cenário. Mas eu quero acreditar que temos outro que pode ser o resultado de um trabalho coletivo, conjunto, de investimento, de aumentar recursos, mas especialmente de decisões claras com vontade política para construir um modelo de desenvolvimento não apenas mais sustentável, mas também mais justo e também mais igualitário.

 

Para encerrar, como a Srª vê estas últimas décadas até hoje, 2024, a questão da preservação da Amazônia, do que foi feito e do que precisa ser feito?

Sílvia Rulcks foi homenageada pelo consórcio formado pelos estados da Amazônia Legal durante a realização do 28º fórum dos governadores amazônicos realizado em Porto Velho. (Foto: (Foto: Humberto Azevedo / RDMNews)

Silvia Rulcks: Bom, eu realmente acho que temos alguns resultados que finalmente nos dão esperança. Vimos a diferença do que um consórcio interestadual, que agora completou cinco anos. Veja os acordos que apresentaram hoje. Logicamente, eu trabalhando para as Nações Unidas, eu acredito que quando os países trabalham juntos, as coisas melhoraram. Os estados trabalhando junto melhoram e vão melhorar. Então, realmente, uma questão de seguir nesse caminho de construção coletiva em que se trabalha o conjunto e esperamos que com o acompanhamento das organizações que estão oferecendo assessoria técnica, a gente tem agora 19 agências contribuindo com o conhecimento, com metodologia, com tecnologia. Então, novamente, é uma questão de imaginar um futuro melhor, mas com todos os esforços para ir para lá.

Fonte: RDM News

Sair da versão mobile