Em sua visita ao Peru, a jornalista Fabiana Ceyhan reuniu-se com o diplomata Pedro Pablo Delgado, representante do Ministério das Relações Exteriores do Peru em Cusco.
O tópico principal da conversa foi o turismo, em especial na região de Machu Picchu, chamada de a “Cidade Perdida dos Incas”. Localizada a 2.430 metros acima do nível do mar, foi construída no século XV e posteriormente abandonada. O local é conhecida pelas sofisticadas muralhas de pedra, cujos imensos blocos foram unidos sem o uso de argamassa. Esse sítio arqueológico atrai cada vez mais brasileiros.
Confira a entrevista na íntegra:
Quantos turistas Cusco recebe por ano?
Cusco é o principal destino turístico do Peru. Segundo dados do Ministério de Comércio Exterior e Turismo do Peru (Mincetur), em 2021 a cidade recebeu 1,4 milhão de passageiros, enquanto a capital Lima recebeu 1,1 milhão no mesmo ano. Em 2020, 1 milhão de passageiros foram registrados chegando a Cusco, o que indica um aumento de 31,9% em 2021.
Sobre a visita às principais atrações turísticas, segundo o MINCETUR, em 2021 a cidade inca de Machu Picchu foi a mais visitada, com 461 mil entradas, o que significou uma recuperação de 71,1% em relação ao ano anterior. Da mesma forma, Saqsayhuaman alcançou um total de 325 mil visitas, Ollantaytambo 296 mil visitantes e o Complexo Arqueológico Moray foi visitado por 261 mil pessoas.
Em 2022, o Santuário Histórico de Machu Picchu recebeu mais de 1 milhão de visitantes, mais que o dobro do número registrado em 2021. Deste valor, os visitantes nacionais representaram 31,4% e os estrangeiros 68,6%. De referir que o valor alcançado em 2022 é 34,5% inferior ao registado em 2019. Em 2022, destacaram-se as visitas ao Complexo Arqueológico Moray e à Reserva Nacional de Paracas, totalizando 511.000 e 458.000 visitantes, respetivamente.
Deve-se notar que o número máximo de pessoas permitidas para entrar diariamente na Cidadela de Machu Picchu é 4.044 pessoas, distribuídas em diferentes horários de entrada ao longo do dia.
O que o Peru está fazendo para preservar o patrimônio mundial de Machu Picchu? Ajuda da UNESCO?
O Santuário Histórico de Machu Picchu, localizado na província de Urubamba, Cusco, passou por diversas ações de escavação, proteção e manutenção desde sua descoberta em 1911. Em 1981, foi declarado área intangível, abrange 32.592 hectares e está rodeado por uma zona de buffer que excede o tamanho do Santuário.
Além disso, como o Peru faz parte da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, em 9 de dezembro de 1983, Machu Picchu foi declarado “Patrimônio da Humanidade” pela UNESCO, o que confirma seu “excepcional valor universal” .e pertencentes ao patrimônio comum da humanidade. A convenção estabelece diversas obrigações para os Estados Partes que possuam bens do patrimônio cultural e natural inscritos na “Lista do Patrimônio Mundial”, como é o caso de Machu Picchu.
Internacionalmente, o Peru também faz parte da Convenção de Haia para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (1954), do II Protocolo da Convenção de Haia de 1954, para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (1999); da Convenção sobre os Meios de Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Ilícitas de Propriedade de Bens Culturais, 1970 (em vigor em janeiro de 1980). A nível regional, destaca-se a Convenção sobre a Defesa do Patrimônio Arqueológico, Histórico e Artístico das Nações Americanas (Convenção de San Salvador), de 1976.
Da mesma forma, o Peru tem uma Lei Geral do Patrimônio Cultural da Nação, que declara a identificação, registro, inventário, declaração, proteção, restauração, investigação, conservação, valorização, divulgação e restituição do Patrimônio Cultural da Nação. Da mesma forma, o Peru subscreveu à Convenção UNIDROIT sobre bens culturais roubados ou exportados ilegalmente.
Nesse contexto, o Peru promove, como parte de sua política externa, a assinatura de acordos para a Proteção e Restituição de Bens Culturais. Peru e Brasil assinaram em 1996, em Brasília, um Acordo para Recuperação de Bens Culturais Roubados ou Exportados Ilegalmente, em vigor desde 2002.
A conservação do Santuário Histórico de Machu Picchu, que inclui o Parque Arqueológico Nacional de Machu Picchu, é responsabilidade do Estado peruano. Para isso, a Unidade de Gestão do Santuário Histórico de Machu Picchu foi criada em 1999, com o objetivo de liderar as estratégias contidas nos Planos Diretores, que são os documentos orientadores atualizados periodicamente para a gestão do Santuário e seu Parque Arqueológico. A UGM é composta por representantes dos Ministérios da Cultura, Meio Ambiente e Comércio Exterior e Turismo, do Governo Regional de Cusco, que atua como Presidente do Comitê Executivo, e do Município de Machu Picchu.
A implementação do Plano Diretor está especificamente a cargo da Sede do Santuário Histórico de Machu Picchu do Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (SERNANP-SHM) e da Sede do Parque Arqueológico Nacional de Machu Picchu da Direção Descentralizada de Cultura de Cusco (DDC/Cusco). A aplicação deste Plano Diretor permite ao homem ter o patrimônio arqueológico mais importante do país em ótimas condições, o que inclui trabalhos permanentes de cuidado, manutenção e preservação da Llaqta (cidadela), a Rede de Trilhas Incas, bem como o patrimônio natural em que está imerso no Santuário. Da mesma forma, permite a realização de obras de restauro e valorização dos monumentos arqueológicos aí localizados.
No âmbito dos compromissos assumidos pelo Peru derivados da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, a UNESCO realiza visitas anuais a Machu Picchu e elabora relatórios técnicos sobre os fatores que afetam o Santuário, apresentando recomendações para preservar tanto sua monumental- aspecto arquitetônico, como seu ambiente natural. Ele se reúne regularmente com funcionários do governo e representantes da comunidade local para avaliar o progresso na implementação do Plano Diretor. Também faz recomendações sobre o desenvolvimento urbano de Aguas Calientes, cidade localizada aos pés de Machu Picchu, formas de aumentar a participação social das comunidades locais, monitoramento de flora e fauna, aplicabilidade do plano de preparação de riscos, etc.
Um dos projetos em andamento é a criação de um Centro de Visitantes, que será um ponto de passagem obrigatório para todos os turistas,, fornecendo informações relevantes sobre Machu Picchu e incluirá uma zona de indução onde serão projetados vídeos informativos. Prevê-se a incorporação do centro de visitantes ao museu local Manuel Chávez Ballón. Este Centro de Visitantes será o ponto de entrada obrigatório para Llaqta e, desta forma, busca diversificar as rotas de acesso a Machu Picchu.
Existe uma estimativa de quantos brasileiros visitam o Peru por ano?
De acordo com as estatísticas do Ministério de Comércio Exterior e Turismo do Peru, de janeiro a julho de 2023, 1.327.666 turistas internacionais entraram no Peru, dos quais 62.899 eram brasileiros, correspondendo a 4,7% do total de turistas no referido período. Eles são quinto maior grupo de turistas internacionais depois do Chile, Estados Unidos, Equador e Colômbia. Em 2022, o total de turistas foi de 2.009.275, sendo que 89.418 turistas brasileiros entraram no Peru, ou 4,5% do total. Deve-se notar, no entanto, que o turismo no Peru ainda não recuperou os níveis pré-pandêmicos. Por exemplo, em 2018, entraram no Peru 4.419.930 turistas estrangeiros, dos quais 4% eram brasileiros, ou seja, 177.711 pessoas. Acrescente-se que nos últimos 10 anos o Brasil foi o quinto país que mais envia turistas ao Peru, representando cerca de 4,2% do total de turistas que o Peru recebe nesse período.
Quais são as considerações ou senhor, gostaria de falar sobre as relações entre Peru e Brasil?
Como diretor do Escritório Descentralizado do Ministério das Relações na cidade de Cusco, destaco que, devido aos estreitos laços do Peru com o Brasil, com quem compartilhamos a fronteira mais longa (2.995 km), nossas relações estão no nível da “Aliança .Estratégico”.
É neste contexto que Peru e Brasil assinaram em 2009 um “Acordo Quadro para o estabelecimento da Zona de Integração Peru-Brasil” (ZIF), que abrange uma área de 867.0022,25 km2 e é composta por três setores adjacentes de nossa fronteira. No caso do Peru isso inclui áreas fronteiriças dos departamentos de Loreto, Ucayali e Madre de Dios. Além disso, apesar de não ser uma região fronteiriça, na região de Cusco, a ZIF inclui a província de Quispicanchi. No caso do Brasil, estão incluídos vários municípios dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia. Estima-se que mais de 2 milhões de pessoas vivam nesta Zona de Integração Fronteiriça.
A Associação Estratégica entre Peru e Brasil tem como principal objetivo a integração econômica e social em suas áreas fronteiriças, promovendo programas de desenvolvimento e integração fronteiriça, eliminando obstáculos ao comércio e trânsito bilateral, promovendo a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, fortalecer as capacidades dos governos locais, regionais e estaduais, promover o aprendizado de português e espanhol, desenvolver e fortalecer a infraestrutura de integração física e conectividade, etc.
Nesse grande contexto, um dos maiores projetos de integração fronteiriça entre Peru e Brasil é a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que no caso da integração peruano-brasileira inclui o Corredor Rodoviário Interoceânico Sul (IIRSA Sur), que atravessa o sul do Peru, desde o porto de San Juan Marcona, na província de Nazca, região de Ica, até Iñapari, na fronteira com o Brasil, na região de Madre de Dios.
Da mesma forma, em 2006 foi inaugurada a ponte internacional Iñanpari-Assis, como parte da rodovia interoceânica peruana-brasileira, um eixo de ligação rodoviária que conecta o Oceano Atlântico, na ponta brasileira, com o Oceano Pacífico na ponta peruana.
A IIRSA Sul liga a costa e as montanhas e a selva do Peru, estendendo-se de oeste a leste até Ippaari, em Madre de Dios, e por esta cidade, cruzando a ponte Ippaari-Assis, liga o Peru ao Brasil. Vale ressaltar que esta grande estrada atravessa a província cusquenha de Quispicanchi e especificamente sua capital Urcos, o que permite aos turistas brasileiros e certamente peruanos percorrer todo o Peru, e visitar uma das regiões peruanas de maior beleza natural e histórica, Cusco. Quispicanchi em quechua significa “lugar brilhante” e é uma província rica em paisagens naturais, história e geografia, como Quispicanchi, por sua localização geográfica se conecta à costa montanhas e selva do Peru. Lá fica a grande lagoa dos Urcos; vestígios arqueológicos pertencentes à cultura Wari e Inca, como as ruínas de Pikillacta; as grandes coberturas de pedra Rumicolca; e os andenes e muralhas de Tipón, correspondentes ao período inca. Da mesma forma, durante o Virreinato, em Quispicanchi floresceram as artes plásticas e a arquitetura barroca, adornando os templos e igrejas da província, especialmente de Huaro e Andahuaylillas, conhecidos por sua impressionante arquitetura colonial.
Nesse sentido, graças à Aliança Estratégica Peru-Brasil, ao desenvolvimento da ZIF e à construção da estrada IIRSA Sul, os cidadãos brasileiros podem chegar por terra, desde o município de Assis (no Acre), até a província cusquenha de Quispicanchi , conhecer sua beleza natural, paisagística e monumental e, ao mesmo tempo, cheguar à cidade de Cusco, capital da região de Cusco, em cerca de uma hora, com um percurso de 46 quilômetros.