* Por Leila Bijos
A análise da violência doméstica perpassa pela vida privada, pela sexualidade e abusos praticados no lar, reflete o lugar do crime, o desamparo, o alcoolismo do parceiro no cotidiano das mulheres. São aspectos de natureza multidimensional, que incluem causas, consequências e estratégias, e demandam ações urgentes de prevenção e enfrentamento. A violência se manifesta com características socioculturais e estruturais, que contribuem para a perpetuação deste problema na América Latina. Adentra-se nas implicações legais e nos parâmetros regulamentares existentes para a sua erradicação.
A violência de gênero ignora as fronteiras entre as classes sociais, entre os países desenvolvidos, entre os diferentes contingentes étnico-raciais, entre as culturas ocidentais e orientais. No âmbito jurídico, importa realçar que a violência de gênero está sob o controle do Estado, é uma responsabilidade social e deve ser denunciada por todos os cidadãos. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 especifica as funções do Estado no sentido de garantir relações harmoniosas no seio da família no inciso VIII, do seu artigo 226. Lacunas mostram que o Estado resvala acerca da eficácia constitucional sobre a proteção dos cidadãos, um quadro invertido que nos leva a uma anomia, refletindo a erosão da lei e da ordem, cujo indicador é a atual incapacidade do Estado em prover segurança aos cidadãos, garantir sua vida, e a proteção de seus bens.
Violações da Constituição Federal de 1988, por não cumprir as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada e ratificada pela Assembleia Geral na sua resolução 34/180, de 18 de dezembro de 1979, da qual o Brasil é signatário.
O fracasso da Lei e da Ordem Pública apresenta o isolamento das pessoas, o medo recorrente da morte, o aumento da criminalidade, o recuo da capacidade punitiva do Estado.
Urge pressionar o Brasil para que intervenha na proteção e segurança das mulheres, através de políticas públicas dirigidas às famílias, com grupos de diálogo, capacitação educacional, a fim de deter e prevenir o feminicídio.
Pensemos no desenvolvimento do Brasil e de seus vizinhos na América Latina, na formação do ser humano para o desempenho de cada uma de suas funções no seio da sociedade. Importante ressaltar que o gênero não se limita ao ser exclusivamente masculino ou feminino. A igualdade de gênero é o objetivo central para a garantia de oportunidades iguais, e inclui papéis e expectativas.
Relatos históricos apresentam estratégias de guerra, fundadas na reprodução forçada de seres humanos etnicamente híbridos, e demonstram que a violação sexual das mulheres foi, e continua a ser utilizada em campos de guerra. As mulheres eram violadas e sujeitas a relações sexuais diárias, durante meses, até engravidarem, e entregarem seus bebês a agências governamentais. As atrocidades cometidas pelos sérvios contra as mulheres muçulmanas na Bósnia-Herzegovina não são novidade. A história mostra as tensões étnicas até a morte do líder da Iugoslávia, Josip Broz Tito, em 1980, e o recrudescimento dos conflitos após sua morte. O horror causado pela ocorrência deste fenômeno na antiga Iugoslávia deriva do fato de esta fazer parte da Europa, um continente considerado o mais civilizado, e de se encontrar no século XXI.
A violência – ao contrário do poder (power), da força (force) ou da potência (strength) – requer sempre instrumentos, como a revolução na tecnologia, uma revolução na fabricação de instrumentos, e que tem sido especialmente observada na guerra, em análise de Hannah Arendt, Sobre a Violência (2000).
Direitos Humanos e Inclusão Social mostram a igualdade, a importância do trabalho como um elemento básico e condição fundamental de toda a vida humana. O trabalho criou por si só o próprio ser humano, e o papel emancipatório do trabalho na história da humanidade, espelha o homem sábio, inteligente, o homo faber, que o distingue do animal (Engels, 1896). A inserção da mulher no mercado de trabalho mostra uma conquista feminina e o fortalecimento de ações e serviços estaduais e municipais, como marco da autonomia econômica e fortalecimento das secretarias, com lavanderias públicas, restaurantes comunitários, creches e escolas para os filhos.
A proibição imposta às mulheres de não se empoderarem, de alcançar postos de gerência, espelha o lado negro da vida familiar, e ainda está presente na sociedade brasileira. Violência condicionada aos membros mais fracos da família: mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência física ou mental, são os “excluídos da sociedade”. A violência se manifesta por meio de abuso físico habitual, tortura psicológica, privação de necessidades básicas, abuso sexual e patrimonial.
Estima-se que mais de 3.858 mulheres morreram de forma violenta no Brasil em 2021 (Atlas de Violência do IPEA), o que representa mais de 10 mortes diárias e coloca as mulheres como um dos maiores grupos de vítimas da violência cotidiana no país. A taxa de homicídios, da população em geral, apresenta queda, mas de homicídios femininos cresceu 0,3%, de 2020 para 2021. Um total de 2.601 mulheres negras foram assassinadas em 2021, um aumento de 67,4%, 4,3 para cada 100 mil.
Mulheres indígenas também são vítimas da violência doméstica e familiar, mas sofrem com a distância dos serviços públicos e com o precário acesso à informação, no Norte do Brasil, e no Mato Grosso do Sul.
Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil possui apenas 74 abrigos para vítimas de violência doméstica, segundo a Human Rights Watch. Mulheres com ordens de proteção são barbaramente assassinadas, desprovidas de alojamento protetivo. Augura-se a ampliação e efetivação do Programa Viver sem Violência em 2024, no território brasileiro.
À medida que a pobreza se torna cada vez mais feminizada, é urgente formular e implementar medidas estatais destinadas a melhorar o nível de vida das camadas menos favorecidas, em geral, e em particular, das famílias monoparentais chefiadas por mulheres.