Entenda como a ONU trabalha nos bastidores durante crises

Nas situações de crise, como na escalada mais recente da violência entre Israel e o Hamas em Gaza e nos temores de um conflito em larga escala, a ONU desempenha um papel crucial, atuando tanto na esfera política quanto na humanitária.

O papel humanitário é o que atrai mais atenção do público, à medida que são negociados acordos para garantir que a ajuda chegue aos civis e para assegurar proteção, na tentativa de garantir que o direito humanitário internacional seja respeitado.

Papel político da ONU

Já o papel político é menos citado, uma vez que muitas vezes é desempenhado longe dos olhos do público.

A Carta das Nações Unidas tem várias disposições que criam uma estrutura para a mediação e resolução de conflitos.

O documento confere ao secretário-geral a opção de usar sua equipe para mediar acordos voltados para diminuir tensões e tomar medidas que ajudem a evitar a guerra.

O papel do secretário-geral envolve diversas frentes, incluindo a resolução pacífica de conflitos.

Grande parte desta diplomacia de bastidores nunca vem à tona, mas é um elemento crítico para tentar neutralizar crises e muitas vezes dá origem a especulações sobre como e se essas capacidades foram exercidas.

É evidente que a ONU está numa posição global única para mediar a paz. Desde a sua criação em 1945, negociou cessar-fogo, acordos de paz e o estabelecimento de corredores humanitários ou outros acordos em meio à violência.

Dentre eles estão a incluindo a Iniciativa do Mar Negro, com foco em permitir a exportação comercial de alimentos e fertilizantes a partir dos principais portos ucranianos.

Secretário-geral da ONU no Egito

O anúncio da viagem do secretário-geral da ONU ao Egito na quinta-feira para se encontrar com o presidente Abdel Fattah Al Sisi é o mais recente dos intensos esforços ininterruptos da ONU para resolver o conflito em curso entre Gaza e Israel, bem como o alastramento para países vizinhos, como Líbano e Síria.

Outro tema prioritário do encontro serão os obstáculos à entrega de ajuda para os palestinos sitiados em Gaza.

A visita acontece após vários telefonemas noturnos consecutivos entre o chefe da ONU e os principais envolvidos, além da preparação para uma reunião com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e de um possível contato com as autoridades de facto em Gaza.

Saiba o que está acontecendo nos bastidores desde que o conflito eclodiu em 7 de outubro:

Ataques do Hamas: ONU pede fim da escalada

Logo após os militantes armados do Hamas terem atravessado para Israel, altos funcionários da ONU contataram os principais atores da região e apelaram às partes por uma contenção da escalada da crise e por proteção aos civis.

O coordenador especial da ONU para o Oriente Médio, Tor Wennesland (centro), e o chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, Unrwa, Philippe Lazzarini,  reúnem-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Sameh Hassan Shouk…
Porta-Voz do Ministério das Relações Exteriores do Egito
O coordenador especial da ONU para o Oriente Médio, Tor Wennesland (centro), e o chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, Unrwa, Philippe Lazzarini, reúnem-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Sameh Hassan Shoukry Selim (à direita) para discutir a crise Israel-Palestina

O secretário-geral da ONU, António Guterres, e o coordenador especial para o Processo de Paz no Médio Oriente, baseado em Jerusalém, Tor Wennesland, condenaram veementemente a violência.

Eles apontaram graves preocupações sobre os ataques a civis, incluindo o sequestro de israelenses e os ataques aéreos em Gaza. Outros altos funcionários e chefes de agências da ONU têm reiterado estas posições, acrescentando suas perspectivas.

O porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, disse a jornalistas em Nova Iorque na semana passada que “os contatos com a Autoridade Palestina também estão em curso”.

Segundo ele, os contatos com as autoridades de facto têm que acontecer. Ele explica que não se trata de condicionalidade, sendo conversas que precisam acontecer.

Envolvendo todos os lados

Contatando diretamente as partes e os principais envolvidos, Wennesland manteve diálogos estreitos com alguns membros do Quarteto do Oriente Médio.

Composto pela União Europeia, a Rússia, os Estados Unidos e a ONU, o grupo foi criado em 2002 para impulsionar o processo de paz, com vista a concretizar uma solução de dois Estados, focada em fazer com que Israel e a Palestina coexistam em paz.

A “prioridade agora é evitar mais perdas de vidas civis e entregar a tão necessária ajuda humanitária à Faixa [de Gaza]”, disse Wennesland numa publicação nas redes sociais.

Ele ressaltou que a “ONU continua ativamente empenhada em fazer avançar estes esforços”.

ONU/Evan Schneider
O Quarteto do Oriente Médio compreende a ONU, a União Europeia, a Rússia e os Estados Unidos (arquivo)

O coordenador especial já estava em contato com atores-chave muito antes da situação atual eclodir e fornece atualizações mensais ao Conselho de Segurança da ONU.

Em 27 de Setembro, Wennesland alertou o órgão sobre a escalada da violência no contexto da expansão dos assentamentos israelenses e citou o aumento das tensões.

Pouco depois dos ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, ele contatou novamente as partes, bem como os países vizinhos Egito e Líbano.

ONU/Loey Felipe
O coordenador especial da ONU para o Processo de Paz no Oriente Médio, Tor Wennesland (na tela), informa a reunião do Conselho de Segurança da ONU em Agosto sobre a situação na região, incluindo a questão palestina (arquivo)

Intermediação de corredores humanitários

Além da visita do chefe da ONU ao Egito, várias possibilidades estão sendo examinadas numa tentativa de abrir um corredor humanitário, ou um espaço seguro, para levar ajuda vital a Gaza.

Na semana passada, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, OMS, reuniu-se com o Presidente do Egito.

Além disso, Wennesland e o comissário-geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, Unrwa, se reuniram com o Ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, Sameh Hassan Shoukry Selim. Segundo o coordenador especial a “reunião foi produtiva”.

Para diminuir a escalada da violência, Wennesland também está em contato com representantes ​​da União Europeia, do Catar e dos Estados Unidos.

UNDOF
Unidades da Undof patrulham o Monte Hermon nas Colinas de Golã, na área fronteiriça entre Israel e Síria, durante todo o ano

10 mil soldados da paz da ONU em ação

A ONU não mantém tropas de manutenção da paz em Israel ou no Território Palestino Ocupado.

No entanto, existem mais de 10 mil soldados de paz ao longo das regiões fronteiriças de Israel. Esta semana, eles intensificaram suas atividades quando foram relatados disparos de foguetes e artilharia nas proximidades.

Tal como todas as missões de manutenção da paz da ONU, as operações no Líbano, Unifil, e na Síria, Undof, são mandatadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

As missões têm a tarefa de monitorar os respetivos acordos de cessar-fogo entre Israel e os seus dois vizinhos, realizando ações como o patrulhamento ao longo da chamada Linha Azul e o monitoramento de áreas como o Monte Hermon, nas disputadas Colinas de Golã.

À medida em que a violência aumenta ao longo da fronteira Israel-Líbano, a Unifil tem estado em contato constante com ambas as nações.

Sob o mandato de garantir a estabilidade na sua área de operações e proteger os civis, os boinas-azuis da Unifil tem o direito à autodefesa e pode recorrer ao uso proporcional e gradual da força em determinadas circunstâncias.

Isso inclui garantir que a sua área de operações não seja utilizada para atividades hostis, resistir às tentativas de impedir que a Unifil cumpra os deveres que lhe são atribuídos, e proteger o pessoal, instalações, unidades e equipamentos da ONU.

Além disso, também são funções da missão garantir a segurança e a liberdade de circulação do pessoal da ONU e dos trabalhadores humanitários e proteger os civis sob ameaça iminente de violência física.

ONU/Eskinder Debebe
O Conselho de Segurança se reune para discutir a situação no Oriente Médio , incluindo a questão palestina

Esforços dos Estados-membros da ONU

Ao mesmo tempo, os Estados-membros da ONU tomaram medidas coletivas para enfrentar a escalada da situação. Após a primeira reunião de emergência a portas fechadas do Conselho de Segurança da ONU, realizada em 8 de outubro, o órgão analisou duas propostas de resolução nos últimos dias, que foram rejeitadas.

O Conselho tem o poder de apelar aos países para que negociem a paz, e em certas situações pode até autorizar o uso da força, conforme na Carta das Nações Unidas.

Caso o Conselho não exerça seu papel de manter a paz e a segurança internacionais, a Assembleia Geral da ONU, representando todos os 193 Estados-Membros, pode convocar uma sessão especial de emergência, como fez em 2022, seis dias após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

ONU/Mark Garten
O secretário-geral da ONU, António Guterres, informa os repórteres em 11 de outubro de 2023 sobre os recentes acontecimentos em Israel e Gaza

Secretário-geral da ONU como negociador da paz

O secretário-geral da ONU desempenha um papel fundamental na mobilização da comunidade global para resolver conflitos.

Ele atua como o principal diplomata do mundo e os seus enviados se envolvem constantemente na diplomacia, realizando reuniões com as partes em conflito, ou fazendo com que se encontrem para negociações imediatas ou soluções de longo prazo, incluindo cessar-fogo e acesso a populações vulneráveis.

Durante as crises, o chefe da ONU, com o apoio do departamento de Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, fornece liderança e orientação às agências das Nações Unidas que atuam em campo, com o objetivo de garantir uma resposta rápida e eficaz.

O secretário-geral e os seus enviados também informam regularmente o público sobre os últimos desenvolvimentos em comunicados de imprensa ao vivo ou declarações publicadas online.

“O secretário-geral falará com quem for preciso”, disse o porta-voz da ONU, comentando que o líder da organização teve, durante a última semana, uma infinidade de conversas, inclusive com os embaixadores de Israel e dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, que são China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, além de autoridades no Catar.

Guterres também emitiu um apelo de emergência a Israel para suspender a sua ordem de evacuação de 1,1 milhões de habitantes de Gaza para o sul.

“O secretário-geral não parou de trabalhar”, disse o porta-voz da ONU. “Pedimos a todas as partes e àqueles que têm influência sobre elas que ponham fim a esta tragédia.”

ONU NEWS

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