Relíquias egípcias que estão no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, podem ajudar os egiptólogos do Museu Nacional, também no Rio, a reconstruir parte do acervo perdido no incêndio que atingiu o prédio da instituição, em setembro de 2018. Um conjunto de fotos de estelas e calques foi apresentado pela seção de iconografia da Biblioteca Nacional para uma visita técnica organizada pelo Museu Nacional em agosto deste ano.
Estelas são tabuletas com hieróglifos (escrita usada no Egito Antigo em que palavras são formadas por imagens). Podem ser de pedra, madeira ou faiança, um tipo de cerâmica. São delas as fotos feitas por Marc Ferrez (na imagem acima), fotógrafo brasileiro que registrou o cotidiano e, principalmente, a paisagem do Rio de Janeiro nos séculos 19 e 20. Calques de relevos parietais são feitos a partir da raspagem de um relevo específico em um papel especial para capturar detalhes de desenhos e escritos.
De acordo com o pesquisador doutorando e integrante do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional/Seshat da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Davi Duarte, o conjunto de peças avaliadas abre novos caminhos de pesquisa em diversas áreas do conhecimento. Ele acredita que os calques sejam do período do Antigo Império do Egito e da região de Saqqara, ao sul do Cairo.
De acordo com a Chefe da Seção de Restauração da Biblioteca Nacional, Jandira Flaeschen, os calques precisarão de restauro, pois apresentam manchas, amarelecimento e rompimento. Ela diz, contudo, que “o processo de restauração dessas obras é totalmente passível de ser realizado pela equipe da Seção de Restauração da Biblioteca Nacional”.
Já as fotos retratam as estelas que pertenciam ao Museu Nacional. A maior parte dessas estelas se perdeu no incêndio de 2018: fogo e água transformaram essas tabuletas milenares em massa de cal. Algumas foram preservadas porque foram protegidas por vidros e outros materiais. As fotos não precisam de reparos e serão elas, na avaliação de Duarte, que poderão auxiliar os pesquisadores na reconstrução do que foi queimado. Mesmo com a perda, Duarte diz que o acervo brasileiro de artefatos egípcios é o mais importante da América Latina.
Herança do imperador
Os calques são herança do imperador D. Pedro II. Dono de um genuíno interesse pelo Egito, D. Pedro II visitou o país duas vezes: em 1871 e em 1876. Interessava-se por línguas, era capaz de ler em árabe – entre outros idiomas – além de falar latim, francês, inglês, italiano e espanhol.
Duarte diz que após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, D. Pedro II pediu para que sua biblioteca fosse desmembrada e que seu acervo fosse distribuído por algumas instituições, como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional.
Além de própria predileção pela história e pelos artefatos do Egito, D. Pedro II tinha outro motivo para se interessar pelo assunto, afirma Duarte: “A egiptomania era muito presente, era uma moda entre a aristocracia e a nobreza no século 19. Era como se fosse um símbolo de status ter um acervo egípcio”, diz.
Ele cita como exemplos desse apreço pela história e, sobretudo, pelos objetos do Egito, obeliscos e artefatos que hoje são exibidos em algumas das principais capitais europeias. “O Egito tem uma imagética e uma fascinação no século 19 nessas aristocracias e vai ter uma corrida desenfreada sobre artefatos, o contrabando. No caso do Brasil, ele (o imperador) compra com nota (fiscal) e tudo. Nesse caso do acervo do Brasil não cabe repatriação. Foi comprado com nota e outros (objetos do acervo) foram presenteados a D. Pedro II”, afirma.
De acordo com informações da Biblioteca Nacional, as fotos foram doadas em 11 de junho de 1904 por Arthur Azevedo. Em uma das pastas que guarda os calques há a informação de que foram adquiridas pelo imperador D. Pedro II em 3 de novembro de 1871 no Museu do Bulak, no “Egypto”.
Para Duarte, a partir de agora a importância, os dados históricos e a origem das peças abrirão novos caminhos de pesquisa. Os documentos serão submetidos a análises específicas, inclusive de raio-x, e poderão levar os pesquisadores até aos locais onde, acredita-se, sejam sua origem.
“A gente não sabe quantos calques foram feitos. Eles podem ser únicos, podem ser relativos a um local”, diz Duarte. Esse acervo pode ajudar egiptólogos, arqueólogos e historiadores a ampliar suas pesquisas em busca de respostas para antigas perguntas. E podem, também, chegar ao grande público com instrumentos tecnológicos disponíveis hoje. “Uma das coisas mais importantes também é que os registros das estelas podem fazer reconstruções em 3D das antigas”, completa Duarte.
As informações são da ANBA.