Uma nova diretiva de ‘due diligence’ vai obrigar grandes empresas da União Europeia ou que façam negócios nos países do bloco a auditar suas atividades para prevenir, mitigar e eliminar violações a direitos humanos e ao meio ambiente encontradas em qualquer ponto de suas cadeias de fornecimento.
A Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CS3D), como foi batizada, foi aprovada pelo Parlamento Europeu na quarta-feira, 23. Ela obriga companhias de todos os setores da economia a verificar suas cadeias de valor, da extração da matéria-prima à distribuição do produto final.
“O efeito cascata dessa regra é enorme e de impossível quantificação. Não dá para saber a dimensão do impacto”, diz Bruno Galvão, advogado do escritório Blomstein, de Berlim.
A medida valerá para empresas europeias que tiverem mais de mil empregados e faturamento global acima de € 450 milhões. Companhias estrangeiras que ultrapassarem o mesmo patamar de faturamento dentro do bloco estarão sujeitas às mesmas regras.
Elas terão que fazer o monitoramento e uso de melhores práticas para entender os riscos presentes de uma ponta à outra de sua cadeia. Isso envolve, inclusive, produtores e fornecedores que a princípio não têm relação comercial direta com a Europa.
“Um produtor de carne, soja ou algodão no Brasil que vende seu produto para grandes empresas brasileiras não comercializa diretamente para a Europa. Mas essas grandes empresas, por sua vez, exportam para as europeias, que terão que fiscalizar sua cadeia de fornecimento e olhar todos os seus produtos, inclusive o da ponta”, exemplifica Galvão.
Subsidiárias brasileiras de grandes empresas europeias também terão que verificar suas cadeias para reportar à matriz.
Cada um dos 27 países-membros da UE terá que criar uma legislação específica que atenda às exigências mínimas estabelecidas pela diretiva. Onde as leis sobre sustentabilidade corporativa já existem, como França e Alemanha, elas terão que ser adequadas aos parâmetros europeus.
Os países terão dois anos para colocar as leis em vigor. A partir de então, a CS3D será implementada em três fases, entre 2027 a 2029, a depender do tamanho do tamanho da empresa. As primeiras sujeitas às novas regras serão as que tiverem mais de 5 mil empregados e faturamento global superior a 1,5 bilhão de euros no ano de 2027.
“Na nossa avaliação, esse tempo é suficiente para que as empresas brasileiras se organizem para atender às demandas que devem surgir”, diz Roberta Danelon Leonhardt, sócia de área de direito ambiental do Machado Meyer, escritório de advocacia.
Como vai funcionar
A Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, ainda vai emitir uma série de guias com recomendações, melhores práticas e diretrizes para o plano de transição e para o compartilhamento de informações.
As empresas terão que criar uma estrutura que mostre que estão atentas à cadeia de fornecedores e aos possíveis riscos, diz Galvão. “Elas vão monitorar e pedir informações sobre respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, e acompanhar para que, caso haja algum problema, elas consigam identificar e trabalhar para resolver. É diferente de quando acontece uma acusação ou violação e ela é punida. É sobre um trabalho anterior ao evento, de monitoramento da atividade, de reconhecer que o risco existe”.
Quem está sujeito à diretiva terá que mapear os riscos e criar um programa de reação compartilhada com os fornecedores, por exemplo. Também terá que adotar um plano de mitigação climática, com uma estratégia em linha com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
“Essa diretiva confirma um movimento que já vinha acontecendo de forma voluntária. Mas agora será mais abrangente, alcançando todas as grandes empresas”, afirma Leonhardt.
A fiscalização da CS3D será feita por autoridades nacionais competentes no Estado-membro em que a companhia está sediada ou de onde provém a maior parte de seu faturamento. Além da investigação, serão essas agências as responsáveis por aplicar penalidades. Nos casos mais graves, o valor da multa pode corresponder a 5% da receita da companhia.
A diretiva ainda deve ser formalmente adotada e publicada no Diário Oficial da UE.
Por enquanto, o que as empresas podem fazer é identificar sua atual situação em relação às novas exigências, identificar as diferentes partes que podem auxiliar nos esforços de devida diligência e envolvê-los, e definir os responsáveis dentro de cada organização para estar em conformidade com a CS3D, recomenda a consultoria EY, em análise.
Mais um passo
A nova diretiva é um avanço da UE em linha com o European Green Deal, e foi proposta em 2022. Depois de dois anos de negociações entre os países, o texto foi aprovado com duas alterações principais: caíram as regras específicas para o mercado financeiro, e aumentou o porte das empresas sujeitas à lei, tanto em número de funcionários como em receita.
“Foi um jogo de política para se chegar a um consenso”, diz Galvão, “Estamos em época de eleições aqui na Alemanha. Algumas partes políticas julgaram que haveria um ônus burocrático muito grande para a indústria alemã. Ainda que, curiosamente, grandes empresas do país fossem favoráveis às medidas”.
A CS3D é complementar a uma série de regras europeias estabelecidas nos últimos anos para incentivar a economia verde – com repercussões diretas e indiretas para exportadores brasileiros e seus fornecedores.
As companhias estão se preparando para o mecanismo de ajuste de fronteira para o carbono, conhecido pela sigla CBAM em inglês, que define um imposto para o carbono embutido em produtos que contêm cimento e ferro, por exemplo. A regra que proíbe a comercialização na UE de produtos agrícolas associados ao desmatamento também vai exigir adaptações das empresas brasileiras.