Tradicionalmente, a história da construção da nova capital federal tem os homens como os grandes protagonistas. No entanto, os registros fotográficos do período revelam que as mulheres, apesar de raramente constarem na historiografia oficial, exerceram papéis fundamentais na consolidação de Brasília. Mais do que apenas serem retaguarda em casa, elas atuaram fornecendo serviços essenciais, seja na obra propriamente dita – embora em menor número –, seja garantindo a alimentação dos trabalhadores.
Essa narrativa pouco conhecida é contada na exposição As mil faces da mulher em Brasília, que entra em cartaz a partir de sexta-feira (8) na Biblioteca Nacional de Brasília (BNB), na Esplanada dos Ministérios. A mostra, de curadoria de Andréia Nayrim e Mariana Mendonça, é composta por fotos resgatadas no Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), além de textos complementares. O objetivo da dupla é celebrar as mulheres pioneiras e, ao mesmo tempo, levantar o debate sobre a invisibilização feminina na história.
Mulheres em destaque
“Além do trabalho direto na construção, as mulheres negras desempenharam papéis importantes em suas comunidades, fornecendo suporte emocional”
Andréia Nayrim, da curadoria da exposição
“Queríamos retratar uma narrativa diferenciada, que celebrasse as mulheres”, conta Andréia. “Pensamos em uma historiografia decolonial, que questionasse o registro histórico do homem branco cisgênero. Resolvemos trazer a narrativa dessas mulheres e questionar por que não há registros oficiais delas na época da construção de Brasília.”
Estão lá as mulheres negras, indígenas, japonesas e ciganas. “Elas foram mulheres muito ativas na época da construção”, ressalta Andréia. A curadora lembra que as mulheres trabalharam em várias áreas da construção, incluindo serviços de limpeza, preparação de refeições para os trabalhadores, funções administrativas nos escritórios e até na obra em si.
“Além do trabalho direto na construção, as mulheres negras desempenharam papéis importantes em suas comunidades, fornecendo suporte emocional”, explica a curadora. “Ademais, as mulheres do quilombo Mesquita plantavam e forneciam alimentos para Brasília em sua construção. Estamos falando de um povoado que existe há quase 300 anos e que foi fundado por três mulheres.”
Participação ativa
Já às mulheres japonesas coube atuar na gestão das propriedades e no cultivo de uma variedade de produtos agrícolas. Andréia detalha: “Elas desempenharam um papel importante na agricultura brasiliense, especialmente após o início da construção de Brasília. Essas mulheres, muitas das quais eram esposas de agricultores ou empreendedoras por conta própria, faziam a colheita, o processamento dos alimentos e a comercialização dos produtos. Além disso, as técnicas agrícolas foram aplicadas por elas, isso inclui o uso de estufas, manejo intensivo em pequenas áreas e cultivo de hortaliças, frutas e flores”.
A atuação das mulheres ciganas e indígenas é ainda mais invisibilizada em documentos. Elas aparecem nas fotografias, mas suas funções não foram registradas. “A falta de documentação oficial sobre quais papéis esses povos desempenharam e quais tipos de suporte as mulheres ofertaram é reflexo da historiografia colonial”, aponta Andréia.
“Ao que tudo indica, elas trabalhavam no fornecimento de alimentos e hospedagem, no caso das ciganas, e iniciando a transmissão de conhecimentos tradicionais, gestão de recursos naturais e cuidados das famílias do povo Fulni-ô, proveniente de Águas Belas [PE]”, acrescenta a curadora.
Abertura
O evento de lançamento ocorre a partir das 17h no auditório do BNB, no segundo andar. Além da abertura da exposição, será exibido o documentário Poeira e batom no Planalto Central, de Tânia Fontenele, Tania Quaresma e Mônica Gaspar.
De 2011, o filme dá voz a 50 mulheres que retratam planos, medos, expectativas e desafios de quando embarcaram no sonho de ajudar a construir a nova capital do Brasil. A obra reconhece engenheiras, médicas, enfermeiras, professoras, agricultoras, motoristas de caminhão e donas de casa.
Tânia Fontenele, que é uma das homenageadas da mostra, estará presente para participar da apresentação. “Tem uma parte da exposição em que colocamos cinco personalidades ainda vivas que fazem a história no DF, e a Tânia é uma delas”, adianta Andréia.
O encerramento contará com um show musical da cantora e compositora Fernanda Monteiro, nome de destaque no samba e no choro do DF.
Agência Brasília