O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas brasileiros e de outras partes do mundo, após assumir a presidência do G20. Na ocasião, ele disse que “é sempre muito gratificante quando a gente termina uma reunião da importância que foi o G20 e eu, que fui um dos fundadores do G20, que participei das três primeiras reuniões e fiquei 13 anos sem participar e volto a participar da primeira reunião do G20, eu acho que há um avanço no mundo, com muito mais chance para a gente tentar encontrar soluções para os problemas do que a gente tentar ficar concordando.”
Disse ainda que o fato de os países do G20 terem assinado um documento de que a melhor forma para encontrar uma solução ou conflito entre Rússia e Ucrânia é tentar trabalhar pela paz. De acordo com os documentos e a carta da ONU. “É uma coisa que a gente vem pregando já há algum tempo e eu acho que é o único caminho. Eu acho que todo mundo está pegando consciência de que essa guerra já está, sabe, cansando a humanidade, já está cansando as pessoas, muito mais os refugiados ucranianos e russos, ou seja, e vítimas que a gente não vai conseguir trazer de volta”, assegurou.
Segundo ele, outro avanço considerado importante, é a questão do compromisso assumido, com o primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia, com o presidente Joe Biden, dos EUA, além da Indonésia e Argentina, na Aliança Global dos Biocombustíveis. “Todo mundo sabe o papel que o Brasil joga nisso. Todo mundo sabe que o Brasil é o país que tem uma tradição, já quase que de 50 anos na produção de etanol. Todo mundo sabe o que nós tentamos fazer para que o mundo adotasse os biocombustíveis como alternativa ao petróleo. Já faz muito tempo, antes de qualquer crise de petróleo, é porque nós achamos que o mundo precisa ser despoluído e, por isso, o Brasil aparece nessa situação”, destacou.
Lula disse aina que “Finalmente, o mundo está se dando conta de que os biocombustíveis podem resolver o grande problema que é a emissão de gás, sabe, de efeito estufa pelo derivado de petróleo.”
Segundo o presidente, “é muita responsabilidade fazer o próximo G20 no Brasil. Todo mundo sabe que nós iremos colocar a questão da desigualdade, como nossa principal discussão. É preciso, de uma vez por todas, que a gente tente levar em conta e criar uma certa indignação nos dirigentes com relação à desigualdade. A desigualdade de gênero, a desigualdade de raça, a desigualdade de educação, a desigualdade de saúde, a desigualdade de comida. Ou seja, o mundo está muito desigual. Nós temos poucos com muito e muitos com muito pouco”. Outros temas apontados por ele como prioridades são a transição energética e a reforma das instituições multilaterais, como Banco Mundial, FMI, e o Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil almeja ter um assento permanente.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
MARCOS UCHÔA (EBC): Uma das novidades, uma das coisas que o senhor tem falado é sobre desigualdade. E, no passado, se falava muito de pobreza. E falar pobreza, de certa maneira, era fácil, né? Você tinha uma posição dos países ricos de ajudar, um certo lado de caridade. Desigualdade já incomoda, pois significa falar dos ricos, deles terem que coçar o seu bolso, digamos assim, mudarem sua atitude em relação a essa divisão. Mas a postura ainda de falar de desigualdade requer que eles aceitem que eles não estão agindo, digamos assim, tão bem assim com relação ao conjunto do planeta, o conjunto da sociedade, de maneira geral. De que maneira se pode convencer o mundo rico a mudar a regra do jogo?
PRESIDENTE LULA: Eu penso que não é convencer o mundo rico. Nós temos que convencer todos da humanidade de que não é possível conviver com a desigualdade tal como ela está colocada. Em um mundo em que nós temos conhecimento genético, temos conhecimento científico, tecnológico, para produzir alimentos para toda a humanidade, qual é a explicação de você ter 750 milhões de pessoas passando fome? Obviamente que é a falta de dinheiro para comprar. Obviamente que é a falta de dinheiro. É por isso que eu tenho obsessão pelo emprego, porque o emprego é a forma mais correta de você fazer uma justa distribuição de renda com o cidadão ganhando aquilo que ele for capaz de produzir com seu suor, sabe? E com seu esforço pessoal. Essa é a forma mais justa. Mas, ao mesmo tempo, nós temos que dividir o crescimento da economia. Quando o PIB cresce 10%, com quem fica esses 10% de crescimento? Se cresce 3%, com quem fica? É preciso que a gente comece a distribuir um pouco desse crescimento para que as pessoas compreendam que o mundo vai ser menos violento. Nós vamos ter menos crime, vamos ter muito menos crime organizado, menos mortalidade infantil, menos analfabetismo, menos gente morando na rua. É simples de compreender isso. Na hora que você começa a fazer com que um pouco de dinheiro chegue na mão de todo mundo, muitas coisas que são normais hoje desaparecem. Nós já fizemos isso no Brasil. O Brasil não tinha mais criança pedindo esmola na rua. Você não via mais criança no semáforo pedindo dinheiro, pedindo comida. Isso voltou. Então, eu estou convencido de que é um processo de convencimento. Nessa conversa que eu tive com o Papa Francisco, nós discutimos muito isso. É preciso que você fique indignado, Uchôa. É preciso que vocês fiquem indignados. Ou seja, vocês têm, toda noite, pensar “tudo bem, não é castigo nenhum eu ter o que comer, ter o que tomar café, ter o que almoçar, mas o que eu posso fazer por aquele que não tem nada?”. Se a gente não se indignar, não acontece. Então, a gente só vai mudar isso quando a gente criar uma consciência política na sociedade de que está errado. É pouca gente com muito dinheiro. Pouca gente. Nego gastando uma fortuna para tentar fazer um passeio na Lua para ver se encontra um lugar para morar e fazer um condomínio lá, enquanto a maioria procura como condomínio a sarjeta das grandes cidades. Não está correto. É um debate difícil, mas é um debate que nós temos que fazer.
Quando eu disse, outro dia, nos BRICS, de que era preciso rediscutir a dívida dos países africanos, é porque os africanos devem quase 800 bilhões de dólares. Tem muita necessidade dos países fazerem obra de infraestrutura e não tem dinheiro. Ora, é transformar parte dessa dívida em obras. Ou seja, é difícil? É difícil. É utopia? É utopia. Mas se você não tiver um pouco de sonho, se você não tiver um pouco de esperança, se você não começar a discutir coisas que parecem impossíveis, sabe? Eu, sinceramente, achei que a gente não ia fazer o acordo que fizemos ontem, a iniciativa Biden, Modi, Lula, Argentina, de lançar um programa de biocombustível no mundo. Sabe? Isso para o Brasil é extremamente importante. Eu, com essas viagens que eu fiz aqui, e uma que vou fazer, ainda, na próxima semana, que vou ao G77 em Cuba, e de lá eu vou para os Estados Unidos, depois eu tenho mais uma reunião que é a União Africana, possivelmente no começo de janeiro. Aí o Brasil foi recolocado no mundo, tá? Que essa era a minha primeira tarefa: recolocar o Brasil na geopolítica internacional, ou seja, gritando para todo mundo: “ô, gente, o Brasil tá aqui. O Brasil existe. O Brasil fala. O Brasil pensa.” Sabe? Isso que a gente tá fazendo aqui e eu fico muito, muito, muito orgulhoso de ver o carinho com que as pessoas tratam o Brasil. O Celso [Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil] tem 60 anos no Itamaraty, o Mauro [Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil] deve ter só uns 10, mas eu acho que, em nenhum momento na história deles, eles viram um mundo tão necessitado do Brasil como agora. Tá? É as pessoas todas dizendo, sabe, ‘que bom que o Brasil voltou porque o Brasil fazia falta nas discussões políticas desse mundo’. Então, nós voltamos para isso, para colocar o Brasil na geopolítica internacional, dizendo como queremos, o que queremos, para que queremos, em igualdade de condições com todo mundo. Eu, na União Europeia, tanto para secretário como para a secretária – é muito secretário na Comissão Europeia –, mas eu disse para os dois e eu disse para o Macron [Emmanuel Macron, presidente da França]: “Eu estou com vontade de fazer o acordo enquanto eu sou presidente do Mercosul”. Nós recebemos uma carta adicional, sabe? Essa carta adicional foi recusada por nós porque ela dizia que ia fazer sanções contra o Brasil ou contra o Mercosul, se a gente não cumprisse determinadas questões ambientais. A gente não aceita ameaças de sanções e a gente não aceita a ideia das compras governamentais. Compras governamentais é um instrumento de política industrial de cada país. Foi assim nos Estados Unidos, foi assim na Alemanha e será assim no Brasil. Sabe?
Então, o Brasil vai utilizar as compras governamentais para que a gente possa fomentar o pequeno e médio empreendedor brasileiro, o pequeno e médio empresário brasileiro, e isso é o mínimo que se espera de um governo que quer reindustrializar o país.
Você sabe que o Brasil já teve um PIB industrial de quase 30%. Caiu para 11% e nós queremos voltar a ser um país que a gente exporte coisas mas, sobretudo, que a gente possa exportar coisas, também, manufaturados, que é uma coisa que coloca mais valor agregado, gera emprego de mais qualidade e o Brasil tá precisando disso como ninguém.
Então, eu disse que quero fazer o acordo, quero fazer uma reunião em que os presidentes estejam presentes para decidir. Sabe? E dizer: “quer ou não quer?”. Já faz vinte e dois anos que nós estamos. Vinte e dois anos. E sempre vejo, em algum setor da imprensa, sempre tentam passar a ideia de que é o Brasil que não quer, de que é a Argentina que não quer, de que é o Mercosul que não quer. Não, nós queremos. Nós queremos e nós precisamos. Agora, nós queremos ser tratados em igualdade de condições. Acordo comercial é uma via de duas mãos. Eu compro e eu vendo. Eu valorizo o meu e ele valoriza o deles. Nós temos que chegar a um ponto de equilíbrio. E, na minha opinião, nós temos que chegar, nesses próximos meses, chegar a um acordo. Ou sim ou não. Ou fazer acordo ou parar de discutir acordo, porque vinte e dois anos ninguém acredita mais. Então é isso. Por isso que eu acho que essas reuniões são extremamente importantes, gente. Agora, livre para a segunda pergunta.
KUMAR KUNAL (India Today): Minha pergunta é a seguinte: presidente, agora a presidência do G20 está nas suas mãos e a Cúpula do G20, que acabou de acontecer na Índia, em Nova Délhi, foi considerada como sendo muito bem-sucedida. Agora, será que há uma pressão sob a sua presidência para fazer tão bem-sucedida como foi a presidência da Índia? A segunda pergunta: duas presidências importantes, da China e da Rússia, não vieram a essa reunião do G20. Como, então, o senhor está trabalhando para trazer esses dois presidentes que não vieram, pro Rio de Janeiro, para 2024?
PRESIDENTE LULA: Primeiro, eu quero parabenizar a Índia porque a Índia fez uma cúpula excepcionalmente bem feita, bem organizada, e fomos tratados com muita gentileza pelo povo da Índia. Eu acho que, do ponto de vista do povo, o Brasil será igual à Índia. O Brasil vai estar alegre, o Brasil vai tratar todo mundo muito bem. E o Brasil tem condições de sediar um evento desse com muita tranquilidade, um evento bem feito porque nós temos que cuidar da qualidade das discussões. Vai ser o primeiro evento em que as mulheres estão empoderadas em igualdade para participar do grupo, sabe? Nós vamos fazer muitos debates, possivelmente a gente vai fazer mais debate do que tem acontecido aqui na Índia. Nós queremos utilizar várias cidades brasileiras para que a gente faça o maior número de eventos possíveis do G20. Tentar fazer o G20 popular. Ou seja, a sociedade se manifestar, a sociedade participar, para que a gente possa, nas conclusões, mostrar um pouco do retrato de um G20 mais participativo, de um G20 mais democrático.
Bom, eu não conheço as razões pelos quais o Xi Jinping [presidente da República Popular da China] não veio e não conheço as razões pela qual o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] não veio, ou seja: o Putin tem até explicação, que é por causa da guerra ou por causa do processo, não sei o que que é. Mas, obviamente, que nós vamos fazer e eles serão convidados e espero que participem. Ou seja, vamos ver o que acontece até lá e eu, inclusive, estou torcendo para que até lá não tenha mais guerra. Estou torcendo para que quando a gente vá abrir o G20 no Brasil a guerra tenha terminado e tudo tenha voltado à normalidade. O povo ucraniano tenha voltado para suas casas. Começado o processo de reconstrução daquilo que foi destruído. A produção de alimento voltar a ser normal. A venda de fertilizantes voltar ao normal, sabe? É isso que eu desejo. Então, tem um ano ainda pela frente. Um ano, não, tem um ano e dois meses pela frente, porque o Brasil só vai assumir a Presidência, de verdade, a partir de novembro. Então, por enquanto, eu peguei o martelo, ontem, mas o martelo estará com a Índia até novembro. E eu espero que quando a gente faça essa reunião no Brasil, que vá todos os que compõem o G20, agora G21 com a União Africana, e nós vamos convidar outros países para participar. Eu acho que vai ser um grande evento, mas nós só vamos saber se eles vão participar quando chegar perto dos acontecimentos.
JORNALISTA SÉRGIO UTSCH (SBT): Queria perguntar para o senhor sobre a sua declaração, o que o senhor disse, em entrevista à TV indiana, sobre o Putin, e sobre o Tribunal Penal Internacional. A impressão que ficou é que o governo brasileiro pretende desrespeitar um acordo do qual é signatário. Um tribunal do qual ele faz parte. O que o senhor quis dizer ali, exatamente? Também ficou a impressão que o senhor faz uma defesa muito exagerada, às vezes, de um líder que é cada vez mais autoritário, que invadiu um país vizinho, né? Não foi a primeira vez. E qual é a questão do senhor ali? O senhor defende uma reforma do Tribunal Penal Internacional? O senhor pretende bancar esse desrespeito, talvez, ao tribunal, convidando Vladimir Putin e impedindo que ele seja preso? Como é que isso aconteceria?
PRESIDENTE LULA: Eu não sei. Eu não sei se o tribunal, se a Justiça Brasileira vai prender. Isso quem decide é a justiça, não é o governo e não é o parlamento. É a justiça que vai decidir. É importante, eu, inclusive, quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal porque os Estados Unidos não é signatário dele. A Rússia não é signatário dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceita. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe? Agora, quem toma decisão é a Justiça, o Brasil tem um Poder Judiciário que funciona, e funciona perfeitamente bem. Nós temos que ver se vai acontecer alguma coisa no momento que tiver que acontecer. Isso já aconteceu na África do Sul. Possivelmente tenha se repetido aqui. Eu nem sei se a Índia é signatária. A Índia também não é signatária. Sabe? Então, é um absurdo. São os países emergentes signatários de uma coisa que prejudica eles mesmo. Sabe? Eu vou dar uma pensada nisso, direitinho. Mas, de qualquer forma, é a Justiça que toma a decisão. Se o Putin decidir ir ao Brasil, quem toma uma decisão se vai prender ele ou não é a Justiça, não é nem o governo ou o Congresso Nacional. Eu espero que tenha acabado a guerra, que o tribunal tenha refeito a sua posição para que a gente possa voltar à normalidade.
SÉRGIO UTSCH (SBT): Você tiraria o Brasil do tribunal?
PRESIDENTE LULA: Eu não sei. Estou falando que eu vou só estudar. Eu quero saber por que que nós entramos. A Índia não entrou, a China não entrou, a Índia não entrou, os Estados Unidos não entrou, a Rússia não entrou e eu vou saber por que o Brasil entrou.
SUHASINI HAIDAR (The Hindu): Você falou sobre a ideia de que você vai trazer o Brasil de volta para o mapa da geopolítica. Os negociadores indianos agradeceram o Brasil, entre outros países, pela ajuda na declaração conjunta do G20.
Você consegue me explicar quanto está em jogo para o Brasil como próximo anfitrião do G20, se teve algum acordo com a relação à Ucrânia no G20? Como exatamente o Brasil ajudou nisso? Uma pergunta curta também. A Índia reportou ter gasto, aproximadamente, 3,4 milhões de dólares em seu G20. O Brasil tem ideia de quanto vai ter de orçamento para gastar na cúpula do G20 no ano que vem?
PRESIDENTE LULA: Olha, eu não tenho noção de quanto vai custar no Brasil. Eu vi uma matéria, esses dias que dizia que, no Brasil, a quantidade de dinheiro que está prevista para o G20 é menor do que foi investido aqui na Índia e é menor do que foi investido na Argentina ou em outro lugar. Mas deixa eu dizer uma coisa para você: é importante você fazer uma pergunta um pouco diferente: a Índia gastou ou a Índia investiu? Qual será o retorno desse G20 para os negócios da Índia? Porque eu acho que foi um investimento extraordinário. A quantidade de bilaterais que o primeiro-ministro Modi fez. A quantidade de chefes de estado que estiveram aqui. A quantidade de acordos assinados. Eu acabei de citar um com o Brasil. Essa iniciativa dos biocombustíveis é uma coisa extraordinária. Ou seja, você tem envolvendo aí quase 3 bilhões de seres humanos. Imagina se a gente resolver duplicar a produção de etanol hoje até 2030. O que que vai acontecer no mundo? Então, é importante, ao invés de ba gente dizer que a Índia gastou quase 300 milhões de dólares, a gente dizer que a Índia investiu trezentos milhões de dólares para fazer um evento extraordinário aqui na Índia. Eu me lembro, vou dizer uma coisinha para você: eu me lembro que uma vez eu vim aos Emirados Árabes e nós fizemos uma feira, uma feira de sapatos. E eu lembro que o jornal, lá em São Paulo, publicou a matéria Lula gasta, não sei se era 50 mil dólares, sabe, para fazer uma feira de calçado. O que não disse é que a gente vendeu 250 milhões de dólares. Sabe? Então, eu vejo o investimento no G20 um investimento muito extraordinário. A quantidade de chefes de Estado que vai ao Brasil, a quantidade de possíveis bilaterais, não apenas entre o país que faz o evento, mas todos os outros países. Então, eu acho que o Brasil vai gastar aquilo que for necessário para fazer um bom evento. O Brasil vai fazer, o Itamaraty vai tentar, não é o primeiro evento que a gente organiza no Brasil, já organizamos uma Copa do Mundo, já organizamos Olimpíadas, já organizamos Pan-Americano, já organizamos a Rio-92, ou seja, tem muitos eventos que o Brasil já organizou e todos eles muito bem organizados. Isso vai acontecer outra vez e nós vamos fazer um bom evento. E você, como jornalista, se for ao Brasil, você vai perceber que ali você vai ser tratada de forma muito carinhosa pelos brasileiros.
SUHASINI HAIDAR (The Hindu): Minha primeira pergunta é sobre como o Brasil ajudou com a declaração conjunta do G20? O que estava em jogo para o Brasil para voltar à geopolítica?
PRESIDENTE LULA: Eu acho que o que ajudou foi a capacidade do nosso (inaudível). O embaixador Maurício que esteve aqui negociando é um companheiro muito competente, ele sabia como pensava o governo e ele, pura e simplesmente, colocou na reunião que nós iríamos chegar aqui e era importante que a gente tivesse um acordo que pudesse contemplar todo mundo. Eu fico muito feliz que ele tenha conseguido convencer os companheiros europeus a ter uma opinião sensata sobre a questão da paz.
SIMONE IGLESIAS (BLOOMBERG): Nos BRICS, na coletiva que o senhor deu aqui, ou melhor, numa coletiva que o senhor conversou com a gente na África do Sul, ao final dos BRICS, o senhor lembrou como o Brasil era terceiro mundo, depois e hoje a gente chama de Sul Global, dentro do contexto da expansão, inclusive, dos BRICS. A gente chegou no G20 quase sem um acordo, quase sem um documento, quase sem uma solução. E tudo se resolveu. Naquela coletiva o senhor falou sobre superioridade dos BRICS, o quanto ele consegue hoje, em poder de compra do PIB, ser mais que o G7, inclusive. Essa superioridade a que o senhor se referiu, lá nos BRICS, se impôs aqui e fez a diferença para se chegar a um acordo e a gente chegar no Brasil com o G20 melhor organizado em termos de guerra da Ucrânia.? Obrigada.
PRESIDENTE LULA: Olha, o G20 é o grupo mais forte e tem uma finalidade muito grande, que é discutir a questão econômica e as consequência das políticas econômicas. O que é importante é que todos os países do BRICS fazem parte do G20. E todos os países do G7 fazem parte do G20. Então, é um ponto de encontro, tá? Vamos entender assim: o G20 é o ponto de encontro entre os BRICS e o G7. Sabe, é isso. Ali estava todo mundo que se reuniu no G7 estava ali, todo mundo que se reúne nos BRICS estava ali. Então, vai ser assim e é muito importante porque eu acho que a tendência natural é a gente avançar. Eu assumi o compromisso de que, ao começar o G20 no Brasil, nós vamos ter que produzir um material, compilar um material mostrando do primeiro G20 que nós fizemos até agora. O que que nós avançamos? Houve avanço? Se não houve avanço, por quê? Porque as coisas, sabe, que nós quisemos mudar na questão multilateral, mudaram muito pouco. O FMI não teve quase nenhum avanço. O Banco Mundial não teve quase nenhum avanço. E é preciso que a gente tenha mais bancos de desenvolvimento, daí a importância dos BRICS, que a gente tenha mais banco de financiamento para os países em desenvolvimento terem chance de crescer. Então, eu acho que nós vamos chegar a um acordo e vamos trabalhar em conjunto, a divergência fica do lado de fora. A gente sempre vai trazer pro debate aquilo que for convergente entre todos nós. É um fórum que ninguém ganha de ninguém, não tem votação. É um fórum que ou a gente constrói o consenso ou não tem documento final. E é muito importante que a gente venha para uma reunião em que todo mundo sabe que pode brigar até o limite das suas forças, mas que todo mundo sabe que para ter um documento final, uma fotografia razoável, todo mundo tem que ceder um pouco. E, quando todo mundo cede um pouco, a gente constrói o documento que é possível, que é o documento que foi aprovado ontem.
DEVIRUPA MITRA (The Wire): A União Africana foi trazida como membro permanente do G20 agora. O senhor acha que o papel de outros grupos regionais, como a Celac, pode se tornar membro permanente do G20 no futuro?
PRESIDENTE LULA: Veja, no futuro tudo pode acontecer. Tudo pode acontecer. Na Celac já tem, no G20, o México, já tem no G20 o Brasil e já tem no G20 a Argentina. Já temos três que somos da Celac e que participamos do G20. Temos dois que participam da Unasul que são do G20. A tendência natural é a gente ir incorporando de acordo com a representatividade dos países. A União Africana é uma organização muito forte. Ela representa 54 países e é extremamente importante que ela esteja dentro, talvez não só como União Africana, mas, quem sabe, amanhã, a gente seja obrigado a incorporar outros países africanos. Como, talvez, a gente seja obrigado a incorporar outros países da América Latina. As coisas vão acontecendo e a gente vai avançando. Os presidentes trocam. Eu e Erdoğan [Recep Tayyip Erdoğan, presidente da Turquia], o presidente da Turquia somos os últimos que estão aqui, os únicos que estão aqui desde o começo. Apesar da minha ausência de treze anos fora, eu fui um dos fundadores e ele também. E nós voltamos e eu acho que vai trocando os presidentes e eles vão tomando decisões de acordo com o momento político. Daqui a cinco anos, nós vamos ter outros presidentes participando deste evento e eles podem ter decisões diferentes da que nós pensamos agora. O que é importante é que a pessoa sabe que precisa de um fórum para resolver os problemas mais graves. Essa questão do clima todo mundo está sabendo que o clima é uma coisa muito séria, que o planeta está em risco e o ser humano será o único animal do mundo a destruir o seu próprio planeta. Por incompetência, por má-fé. Então, o que que nós temos que fazer? Tomar atitudes. O Brasil já assumiu o compromisso de desmatamento zero na Amazônia até 2030, nós vamos enfrentar o crime organizado na Amazônia, nós vamos enfrentar garimpeiro, vamos enfrentar madeireiro, sabe? Vamos, agora, começar uma política de recuperação das terras degradadas, que são quase 30 bilhões de hectares, 30 milhões de hectares que pode plantar o que quiser para derrubar quando quiser. Ninguém precisa mais ofender a natureza para sobreviver. Tem meios de a gente fazer as coisas sem precisar destruir o que existe. Então, o Brasil está tomando sua iniciativa, nós fizemos a reunião com os países da América do Sul, vamos fazer com a bacia do Congo, vamos fazer com a Indonésia e vamos chegar na COP-28, nos Emirados Árabes, com uma posição muito correta de preservar a natureza e preservar as florestas. Nós queremos provar que a floresta em pé, ela pode ser mais rentável do que alguém que ache que é importante derrubar para plantar alguma coisa. Não precisa.
MARIA CRISTINA FERNANDES (Valor): O senhor disse que na sua presidência no G20, na Presidência brasileira, será criada uma força-tarefa pelo clima. O secretário-geral, António Guterres, fez um apelo, há alguns meses, para que os países parassem de fazer novas explorações de combustíveis fósseis. O seu governo, por meio de dois ministros, a AGU e Minas e Energia, já se manifestou pela pesquisa exploratória da margem equatorial do Pré-Sal. Eu queria saber se o G20, nessa força-tarefa que o senhor pretende criar, vai se encaminhar mais para o que a ONU defende ou para o que o seu governo defende?
PRESIDENTE LULA: Veja, primeiro que nós não estamos disputando com a ONU. O que nós queremos é que a ONU faça a coisa mais certa possível. O Brasil tem as suas posições e o Brasil vai fazer aquilo que o Brasil entender que seja correto fazer. Eu espero que as pessoas optem por aquilo que for melhor para o planeta Terra. O Brasil não vai deixar de pesquisar a margem equatorial. Se encontrar a riqueza que se pressupõe que exista lá, aí é uma decisão de Estado se você vai explorar ou não. Mas, veja, é uma exploração a 575 quilômetros à margem do Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas. Você não pode ser proibido de pesquisar. Se tiver o que se imagina que tem lá, você pode discutir se vai utilizar ou não. Se vai explorar ou não. Mas, pesquisar, nós vamos pesquisar. Porque o mundo precisa que a gente pesquise para encontrar, sabe, novos materiais, novas coisas para o desenvolvimento e o Brasil vai fazer aquilo que o Brasil entende do seu interesse soberano de fazer.
É que não foi pesquisado ainda. É impossível saber antes de pesquisar. É impossível. Você pode pesquisar e chegar à conclusão que não tem nada e voltar para casa de mãos vazias. Você pode pesquisar e descobrir que tem muita coisa e aí vai se discutir como fazer a exploração daquilo.
NIDHI VERMA (Reuters): Presidente, tenho duas breves perguntas. O senhor mencionou que vai pensar por que que o Brasil assinou o tratado do Tribunal Internacional Criminal, como China e outros países. Então existe a possibilidade que você saia desse tratado, presidente? Essa é a primeira pergunta. E a segunda pergunta é sobre a sua associação com a OPEP. Sempre há uma fala que o Brasil vai se juntar à OPEP ou não. O senhor tem um plano de se juntar à OPEP?
PRESIDENTE LULA: Eu vou dizer para você que não. Que a gente não vai se juntar à OPEP. Mas quem sabe, daqui a um ano, você me perguntar e eu vou dizer que sim. Eu não posso ser definitivamente contra, depende da circunstância política. Eu não tô dizendo que vou sair de uma tribunal, eu só quero saber – e eu só me apareceu agora, eu nem sabia da existência desse tribunal –, eu só quero saber por que que os Estados Unidos não é signatário, por que que a Índia não é signatária, por que que a China não é signatário, por que que a Rússia não é signatário e porquê que o Brasil é signatário. Eu quero saber qual é a grandeza que fez o Brasil tomar essa decisão de ser signatário. Só isso que eu quero saber. Sabe? Porque é muito, eu nem sei se a França é signatária, não sei. Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os bagrinhos.
EDILENE LOPES (Rádio Itatiaia): Presidente, o senhor vê um ambiente político, hoje, nos países da União Europeia para a aprovação da contraproposta feita pelo Mercosul? Para o fechamento do acordo, em função do posicionamento de alguns países mais à direita. O senhor acha que vai ser possível. E a segunda é a homologação.
PRESIDENTE LULA: Eu acho que é possível. Eu sempre digo que, quando a gente quer encontrar uma solução para um acordo, a gente não manda emissário, a gente vai pessoalmente, tá? A União Europeia tem as suas comissões que negociam, que, sabe, mas a nossa quem negocia, na verdade, são os governos. Então, eu quero sentar com o Macron (presidente da França), com o Olaf Scholz (primeiro-ministro da Alemanha), para decidir as coisas. É só isso. Eu quero sentar para saber o seguinte: onde é que tá pegando esse acordo? Ontem eu ouvi da secretária da União Europeia de que os negociadores de acordos comerciais, muitas vezes, não chegam a acordo. Quando não chega a acordo, tem que entrar a política. Então, é apenas isso que eu quero. É o seguinte: porque passa a ideia de que é o Brasil que não quer, ou que é a Argentina que não quer. Não. O que que pensa a França? O que pensa a França? O que pensa a Alemanha do acordo? Porque não é possível eles quererem só exportar coisas de valor agregado e nós exportarmos commodities. Ou seja, nós queremos ter o direito de recuperar a nossa capacidade industrial. Não estamos cometendo nenhum crime, nenhum abuso. Estamos apenas querendo voltar a ser um país com vocação industrial. Sem ter nada contra a agricultura, porque eu acho que a agricultura é um benefício, um bem para o nosso país.
Com relação à delação premiada, eu não conheço. Não posso dar palpite sobre o que não conheço. Não sei o que está lá, sabe? Só sabe o delegado que ouviu e o coronel que prestou depoimento. O resto é especulação. Sabe? Eu acho que ele está altamente comprometido. A cada dia vai aparecendo as coisas e cada dia nós vamos ter certeza de que havia a perspectiva de golpe, e que o ex-presidente estava envolvido nela até os dentes. É isso que vai ficar claro. O tempo vai se encarregar. A única chance que ele tinha de não participar disso era quando ele estava preocupado em vender as jóias. Fora disso, ele é o responsável por parte das coisas ruins que aconteceram no nosso país.