Coluna: Confira as poesias do Embaixador brasileiro Raul de Taunay

A CPI DOS VERSOS

Estas mãos trago-as vazias,

não tendo posses, nem rouparias.

Em minhas mãos hão há ouro nem prata,

nem mesmo as bravatas que o poder angaria.

Por estas mãos não passam os milhões

dos cheques fantasmas ou das comissões.

Com minhas mãos não burlo a receita,

não cubro a verdade, nem forjo a despesa.

As velhas mãos não mudam os fatos,

não trocam de nome, nem andam de jatos.

As pobres mãos não desviam riquezas,

não roubam crianças, nem armam mutretas.

As minhas mãos não esbanjam o dinheiro

nem das secretárias, nem dos tesoureiros.

Estas mãos são somente culpadas

da ambição de almejar esta rima aguardada.

BESTEIRA

Afunde no corpo
da moça ao seu lado
e sina o aroma
do ventre suado.

Prisão de braços,
pernas e mentes,
dementes instantes
de amor agarrado.

Beije-lhe a face,
afague-lhe o ego;
no útero interno,
despeje seu verso.

Ventos uivantes,
Cálido alento,
ame nas nuvens
e goze ao relento.

Não pise em ovos,
nem marque bobeira
e, se for um barato,
recomece a besteira.

NOVA ALVORADA

          Há de nascer uma nova alvorada
não sei,
mas deve surgir mais um novo começo,
segredo,
deve haver uma outra raiz.

          Há de brotar uma nova papoula,
pois é,
mas deve pintar mais um novo romance,
que canse,
há de soar forte o eco do verbo.

          Há de chegar uma era de paz,
soberba,
devem irromper mil ideias a mais,
geniais,
pois há de rola rolar uma nova viagem,
bobagem,
como hão de ficar para trás os boçais,
sem mais.

ENCONTRO DE 5 POETAS NUMA NÃO-ESQUINA DE BRASÍLIA:

A SEGUIR, os poemas lidos pelo autor na sessão do sarau:

          ILUSÕES                  

Amo-te, ó verso, dos trovões e precipícios,

Mundo deste ofício que me arrasta de roldão;

Um aroma, um sentido, me embriaga de início

No vazio do desvio a emergir na contramão.

Das fontes a estalar aos córregos carregados

Sou todo um palpitar de clarões ensolarados;

– Como? Porquê? – indaga o peito amotinado

Ao perceber no fuzuê seu coração enfeitiçado.

Doloroso o arrepio das estranhas sensações:

– É o poeta um esgrimista a fatiar intuições?

Um dia compreenderei o tropel das emoções

Que me leva na garupa das perdidas ilusões.

ARTESÃO

Meu poema respira quando pressente nascer,

Ele exala, expira, se estira, como se fosse morrer;

Manuseia e finca na folha sua razão de irromper,

Desnuda o fascínio do verbo ao procurar entreter.

Meu poema é o verso pungente, a pura galanteria,

É mais do que nomes e formas, é a cal da filosofia;

É um território de ação, duelo singelo, sem garantia,

Na obra do artesão, é um castelo lavrado na escrita.

Ele não aspira grandeza, leveza, nem teme o fiasco,

É fragor, estrondo, ruído, o doce garimpo no espaço;

Por vezes, me deixa exaurido, moído em pagamasso,

Nas outras, sua força me embala por cristalino regato.

Meu poema termina inventivo, semeador de toada,

Ou finda num só rabisco, ao resvalar pela estrada,

É um deserto de areia ou o manancial da palavra,

É o abalo em cadeia ou, entre rochedos, a enseada.

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