Coluna: Poemas – Por Raul de Taunay

ALVOROÇO

 

Eu tenho em mim desertos

Que, pelas noites, se debruçam frios,

Como lâminas, a fatiar-me o peito.

 

E levo em mim agravos abertos

A endoidecer o poema de arrepios,

Como beijos que se dão no leito.

 

Eu trago em mim este abandono,

Uma orfandade feita de calafrios,

Um alvoroço a me revirar do avesso.

 

Carrego, enfim, o assombro emerso,

Que apaga estrelas e afunda navios,

Que, no infinito, transborda no verso.

 

ANDRAJOS

 

É primavera, tempo de se admirar tesouros sem preço,

Pelos caminhos da natureza, os mais belos adereços.

 

A mesma folha caída que no chão é tapete ou tropeço,

Nas hastes altas das ramas, é broto, é vida, recomeço.

 

Arrulham as aves, esvai-se a neblina, cantam as rosas,

A lua afina-se ao fim desta tarde pela planura formosa.

 

As lágrimas se ocultam pelas copas da rica vegetação,

A paixão aquieta-se, a paz supera na alma a afetação.

 

É primavera, tímida, silenciosa, qual borboleta em ação,

Sou eu a fazer versos dos meus andrajos em ebulição.

ARADO

 

A cada dia me descubro

Em alguém que desconheço:

Era falante, sou hoje calado,

Agora quieto, antes agitado,

Buscava encontrar o mundo,

No presente, dele me afasto,

Procurava incendiar a alma,

Atualmente, vou sossegado.

Não sou mais o que sonhei?

Não importa, estou vacinado.

Não vou ter o que esperei?

Pouco espero deste arado.

A vida é mesmo um achado!

Corria? Agora ando de frente.

Ansiava? Hoje alteio fulgente.

Os olhos fitos a te admirar,

A boca inteira para te beijar,

Um lume novo para exultar,

Que ainda caminho galante,

Relampeando versos ao ar,

E faço da vida um mirante,

Que me faz rir ou chorar,

Neste planeta inconstante,

Ondeio sem me fragmentar.

 

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